Woodstock 99 e as 10 Melhores Maneiras de Ser Odiado por Seu Público

Quem disse que o Rock não me ensinou nada?

 

Julho, 1999.

 

Minha irmã me chama no quarto de um jeito meio sorrateiro. Era madrugada de Domingo para Segunda Feira e ela estava vendo MTV na sala, escondida no meio da noite.

 

— Guria, o Flea tá pelado no meio do show do Red Hot. Já deram uma meia pra ele vestir no “distinto” mas não adiantou. Ele tá totalmente pelado!

 

Corri para a sala com ela. 

Não que ver o Flea sem roupa fosse um sonho de consumo, mas eu sabia que a MTV estava transmitindo os shows do Woodstock 99 e é lógico que isso estava acontecendo lá. 

 

Na minha cabeça era quase como se fosse algo mágico, um retorno a toda aquela coisa linda de “paz e amor” que tinha acontecido na edição de 69. 

 

O Flea estar sem roupa era quase como uma ode ao movimento hippie e falei isso para ela, daquele jeito meio bobo que só uma adolescente tem.

 

Ouvi como resposta um sisudo “nada a ver guria, você não tem noção do que tá rolando”.

 

E eu não tinha mesmo… 

Quando cheguei na sala vi uma banda brava, nervosa no palco, tocando “Fire” do Jimi Hendrix enquanto os VJs da MTV americana estavam apavorados falando sobre focos de incêndio acontecendo ao fundo.

 

Por um momento pensei que aquilo fosse algo orquestrado, efeitos para o final do show, e ela dizia: “Olha a cara do Kiedis, ele tá bravo!”  e ao fundo ouvíamos os VJs nervosos falando que as pessoas estavam pegando qualquer coisa e… incendiando!

 

Tudo aquilo estava fora de controle, as transmissões seriam interrompidas mas ainda aconteceriam muito mais coisas. 

 

E não só no desfecho daquela noite de Domingo. Já tinham acontecido coisas horrendas no sábado a noite e nós — da mesma forma que qualquer pessoa no mundo que estivesse acompanhando o evento pela MTV e não estivesse lá — não sabíamos de nada. 

 

Desligamos a TV pensando que um bando de gente louca, chapada, teria estragado o evento. “Coitados dos caras da produção” — eu dizia — “tanto lutaram para recriar Woodstock e um bando de gente sem noção acaba com tudo… Que decepção!”

 

E fui dormir. 

 

Tanto Tempo Depois, Tudo Fez Sentido…

 

Os anos passaram e ontem, só ontem, eu entendi de verdade o que aconteceu. 

 

Só que ao longo deste caminho eu aprendi muitas coisas sobre clientes, serviços, comportamento de consumidores (isoladamente ou em manada) frustração, desatenção dos prestadores de serviços e o pior de tudo: postura de negação, quando seu produto é falho e causa mal ao consumidor.

 

Então, se eu quiser falar sobre tudo o que você pode fazer de errado para transformar seu cliente, seu fã, em um monstro que quer te ver morto, devo usar Woodstock 99 como exemplo.

 

E para isso, para que essas falhas fiquem explícitas, vou pontuar aqui as 10 principais delas. As mais gritantes que percebi (mas se você cavar um pouco, encontrará mais!)

 

Preste atenção pois elas são faltas que ocorrem em ambientes micro e macro. 

 

Se você tem um infoproduto, um produto físico, se está fazendo um evento ou um grande lançamento, cada uma destas falhas pode te quebrar. 

 

Olhe para Woodstock 99 e guarde essas informações com você. 

 

  • FOCO NO LUCRO

O produtor Michael Lang, criador do Woodstock 69 já tinha um histórico que, particularmente, chamo de “bombeiro”:  pouca Estratégia e foco total em apagar incêndios, quando der.

 

O primeiro evento, por mais lindo e emblemático que tenha sido, teve uma série de problemas estruturais e deu muito, muito prejuízo.

 

O pagamento desse prejuízo gerado assim como lucro veio anos depois, com a transformação dos vídeos dos shows em um filme que vendeu — e gerou — milhões de dólares de lucro para os envolvidos. Sorte aliada a juízo de minhoca, digamos.

 

Houve uma edição medíocre de um novo Woodstock em 1994, que também deu prejuízo e foi um fiasco mas que foi muito pequena. Já em 1999, o foco era o lucro total. Um evento para 300 mil pessoas, com produtores gigantescos e a certeza de que Michael Lang faturaria mais do que faturou em toda a vida. Paz, amor, música, mensagens para o mundo? Para que, né? Dinheiro é bem melhor.

 

  • REDUÇÃO DE CUSTOS (Ou redução de investimentos para aumentar lucros)

Aconteceu redução de gastos em várias pontas do processo mas essa, a meu ver, foi a mais gritante e mais perigosa.

 

Poupar com algo vital como Seguranças em um evento para 300 mil pessoas, parece fazer sentido para você? Pois então, nem para mim.

 

Segundo as equipes de imprensa que estavam no local, a segurança era ineficiente para 5 mil pessoas. Eram 250 mil por dia, durante 3 dias.

 

E, para reduzir ainda mais os custos, os seguranças eram chamados a esmo, indicados por amigos que já estavam contratados, sem qualquer capacitação ou experiência prévia.

 

Eram adolescentes de 18 anos tomando conta de outros adolescentes. Raposas e galinheiros, super compatíveis.

 

  • TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS SEM CONTROLE DE PREÇOS E QUALIDADE

Ninguém queria se responsabilizar pela área de alimentação do evento. Fazia sentido então terceirizar toda essa parte.

 

Até aqui tudo bem, porém, sempre que isso acontece é necessário que se tenha em contrato quem são os fornecedores, quais seriam os preços cobrados, quais são os sistemas de abastecimento de emergência caso ocorra super demanda e testes de qualidade (sanitários) devem ser entregues.

 

Além de nada disso acontecer, ainda houve a prática do livre comércio: a cada dia, e conforme a demanda por água e comida aumentava de acordo com o calor do lugar e tempo de permanência das pessoas, os preços subiam.

 

Uma garrafa de água que custava 0,60 dólares chegou a ser vendida por 14 dólares no final do evento, e a comida acompanhou o ritmo. A água gratuita para banho era absolutamente imprópria para consumo e o lugar do evento altamente concretado, o que aumenta a sensação térmica.

 

Mais calor? Opa! Bora vender mais água pelo valor de uma dose de um 12 anos! Quem se importa, né? Veio para o show? Você que lute.

 

  • AUSÊNCIA DE CONTRATOS COM FORNECEDORES CHAVE

Você consegue imaginar essa cena: Liga para o James Brown e convence ele a tocar no seu festival.

 

Aí você não faz contrato e não paga o cachê previamente. Enrola o artista até o dia do evento. Ele está na coxia exigindo contrato e pagamento, diz que não entra no palco e seu público está ficando raivoso.

 

Aí você, malandramente, solta a introdução da música de abertura do show. As pessoas vibram, não há como ele retroceder e aí, ele entra e canta…

 

E você o que faz? Se acha esperto e diz que ele sendo cantor tem que cantar, ponto.

 

Não sabemos até hoje se o cachê foi pago, pode ser que Mr Brown tenha morrido sem receber.

 

Ele fez isso pelo público, ele era esse tipo de artista mas, se a atração fosse outra pessoa que levasse o contrato à risca, o caos estaria instaurado no primeiro dia, no primeiro show do evento, porque você não quer se “comprometer” com contratos?

 

O mínimo que se pode esperar de uma boa negociação é um contrato alinhado com cláusulas cumpridas por ambas as partes, o mínimo. E respeito pelo artista, né?

 

  • AUSÊNCIA DE CANAIS DE CONTATO DO CLIENTE COM VOCÊ (ou, fechar canais de contato para não ouvir seus clientes)

Não existia qualquer posto de assistência, de informações, uma ouvidoria.

 

Com uma quantidade de pessoas em níveis de uma cidade média, era extremamente necessário um posto que coletasse as demandas dos participantes para que fossem resolvidas.

 

Mas acredito que aqui há uma união com o tópico 3, da Terceirização: se um posto de informações e ouvidoria fosse montado a produção receberia as queixas sobre água imprópria para consumo e banho, banheiros vazando dejetos, água e comidas caríssimas, ausência de sombra, macas e ambulâncias insuficientes…

 

Quem quer ouvir lamúria e confissão vira padre, não é? Deixa todo mundo lá sem contato com a produção. Aqui no camarim tem ar condicionado e stand particular da Budweiser. Repito: veio para o show? Você que lute.

 

  • PRODUTO COM VALOR ALTO E ENTREGA BARATA OU INEFICIENTE

A 150 dólares o ingresso mais barato, sabendo ainda que se você o comprasse precisaria colocar nessa conta água, comida, bebida, souvenir, acampamento e transporte, essa conta batia em 300 dólares bem facilmente. Para um dia…

 

Pense em quem comprou ingresso para os 3 dias do evento, com todos estes mesmos gastos?

 

E recebeu o que? Infraestrutura de zona de guerra: sem água, comida e bebida inacessíveis para quem não tinha boa reserva de dinheiro, banheiros químicos que estragaram no primeiro dia por não serem esvaziados, sem lixeiras, sem coleta de lixo…

 

E 250 mil pessoas gerando dejetos alucinadamente. Sabe aquelas imagens que você deve ter visto, ao longo destes anos, das pessoas enlameadas no Woodstock 99? Então, não era lama…

 

E com o cheiro que estava no ar, provavelmente as pessoas perceberam isso tarde demais… E quem estava lá pagou caro, pagou o preço de um ingresso que poderia oferecer banheiro químico, mas limpo.

 

Pagou por um ingresso que colocaria no lugar muitas lixeiras, muitas pessoas trabalhando na coleta, o ar não teria cheiro de chorume.

 

Você pagaria para estar em um lugar com esgoto a céu aberto? 

 

  • PRODUTO ESTRAGADO (ou prestes a estragar, quebrar, deixar de atender a seu fim)

Pessoas se irritando por tudo o que estava acontecendo com a infraestrutura e a produção, em coletivas e anúncios capengas de palco, prometendo uma surpresa, um “Gran Finale”… que nunca veio.

 

Soltaram no telão imagens de Hendrix em 69 para uma multidão que já estava queimando tudo e acreditaram que eles iriam parar, iriam se abraçar e ouvir aqueles acordes sublimes.

 

Parece ridículo fazer isso com o público? E foi mesmo, mas não foi a única ideia ridícula.

 

Some a isso um insight de gênio de distribuir 250 mil velas — sim, você leu certo — para a plateia no final do show do Red Hot Chilli Peppers em memória às vítimas da chacina de Columbia…

 

Até deu certo durante “Under the Bridge”. Mas quando eles se sentiram enganados com o Gran Finale no telão, eles tinham tudo na mão, tudo o que precisavam para queimar ainda mais a raiva toda que sentiam.

 

  • ALIENAÇÃO E UMA POSTURA DE INDIFERENÇA QUANTO A PROBLEMAS LEVANTADOS POR SUA EQUIPE

Aqui existiram erros gravíssimos, e um deles veio antes do evento acontecer.

 

Quando a equipe de produção quis mesclar  mais o set list, para não deixar muitas bandas com conteúdo político ou violento juntas, eles pediram isso por observar algo muito importante: os jovens dos anos 90 não eram os jovens dos anos 60.

 

Existia uma raiva, medo, um descontentamento generalizado contra o governo que era liberado através da música.

 

A produção entendeu que era preciso focar em alternância de atrações para baixar a vibração da plateia, que era preciso segurança, que era preciso contrato com as bandas liberando ou proibindo certas ações mas, nada disso aconteceu porque a produção simplesmente não quis ouvir as equipes.

 

Jovens de uma geração focada em raiva contra o sistema, tratados feito animais por gente irresponsável, e sem qualquer tipo de controle…

 

O que mais acreditaram que faltava para explodir o caos?

 

  • ENCERRAMENTO DOS SERVIÇOS (ou esgotamento do produto) ANTES DO PRAZO PREVISTO E SEM QUALQUER ESCLARECIMENTO

Aqui voltamos à questão do Gran Finale, do tópico 7, Produto Estragado: Prometeram algo, não cumpriram nada.

 

Ainda existia alguma forma de controlar a multidão ao final do show do Red Hot mas isso só seria possível se alguém que pudesse realmente responder pelo evento se comunicasse com o público e explicasse o que houve.

 

Se resolveria aquela altura? Não sei… Mas o que sei é que talvez o estrago não fosse tão grande no final.

 

O fato de se sentirem totalmente “largados”, sem qualquer satisfação depois de tantas mentiras ao longo do evento, foi gasolina jogada nas fogueiras que estavam começando.

 

  • TRANSFERÊNCIA DE CULPA (para fornecedores que não poderão se defender ou pior ainda… bote a culpa NO CLIENTE!)

Existiram dois momentos que explicam isso, em duas situações diversas: o primeiro acontece quando o Limp Bizkit insufla a platéia a níveis absurdos, ao ponto de uma torre de som precisar ter a equipe retirada às pressas porque estava sendo destruída. 

 

A produção não fez nada sobre isso, não falou nada sobre a postura da banda, não cobrou nada.

 

O segundo momento acontece ao final do show do Red Hot, quando a produção chama Anthony Kiedis e literalmente pede que ele volte ao palco e “resolva aquilo, acalmando a plateia”.

 

Eles não tinham feito nada, foi um show normal, sem nada demais (exceto pelo Flea pelado!) A plateia já estava usando as mal fadadas velas para queimar coisas no fundo da pista, eles não tinham nada a ver com isso.

 

A produção jogou para a banda a tarefa de acalmar um público que estava revoltado com o evento. E o que Kiedis fez? 

 

Não posso dizer que ele agiu certo mas eu acho que no calor do momento, eu responderia como ele:  não aceitou ter essa responsabilidade imputada e decidiu fazer o oposto: voltou e tocaram “Fire”… 

 

Na coletiva de imprensa do dia seguinte, colocaram na conta de “Fire” o desfecho do show, mas ainda assim, relativizando o que houve como se uma meia dúzia de garotos malvados tivesse ateado fogo em umas placas de banheiro mas, a culpa foi do Red Hot, fazer o que né?

 

(Se a culpa é minha, boto em quem eu quiser!)

 

 

E o Que Entendi Revendo Woodstock 99 ?

 

Então, o que vimos dentro desse evento absurdo é muito parecido com o que vemos muitas e muitas vezes por aí. A diferença é que por acontecerem em ambientes micro, não percebemos essas falhas gigantes. 

 

Quando falhas convencionais são colocadas em ambientes macro, como o Woodstock 99, podemos ter uma dimensão da catástrofe que pequenos deslizes podem causar.

 

Se o criador do produto é alguém conhecido, é mais fácil essas falhas escaparem de suas mãos e pararem na mídia, literalmente na boca das pessoas. 

 

Mas se você é pequeno, está começando, ou ainda se já tem um grande capital para investir em seu produto mas está fazendo sua primeira incursão neste mundo, a dica que deixo é: 

 

Olhe bem para os 10 pontos que listei acima e assista o documentário da Netflix sobre o festival (coloco o crédito no final do texto) porque… um tiro no pé, daqueles bem dados, te deixará manco para o resto da vida. 

 

E para fugir desses erros simples e grotescos é de Estratégia que você precisa. 

 

Nunca abra mão dela. É cuidando de cada ponta do processo, fatiando cada etapa e dando atenção a cada “fatia” como se fosse, sozinha, um projeto, é que você minimiza as chances dos erros acontecerem.

 

Nunca poupe com Estratégia e nunca feche seus ouvidos para quem lhe entrega dados sobre seu produto, principalmente quando eles não forem bons. 

 

O que é bom, mantenha. O que está ruim, arrume imediatamente. 

 

Tenha um bom planejamento para manejar as possibilidades de gastos com alterações na entrega de seu produto. 

 

Nunca abra mão da segurança de seu cliente, em hipótese alguma. 

 

Se seu produto é físico, tenha certeza de que ele cumpre o que promete, pense em todas as possibilidades de problema que ele pode causar, isole elas, analise e ajuste.

 

Se ele é digital, entenda tudo o que pode trazer para seu consumidor, desde benefícios perceptíveis como aumento de renda, de aprendizado, fidelização de clientes, e também se é possível que ele cause algum tipo de trauma ou problema para pessoas suscetíveis ou mais sensíveis. 

 

Se o produto é seu, o que ele pode causar também é um problema seu.

 

Pense no máximo de situações que conseguir, isole elas, aja com uma de cada vez. 

 

E se parecer difícil, se for muita coisa para começar, para instruir sua equipe, pense em profissionais de Estratégias Digitais e de Comunicação para isso. 

 

Esse tipo de profissional é a pessoa que consegue pensar em cada ponto isoladamente e imaginar onde existirão nós, gargalos, êxitos e chances de abertura para novos produtos e projetos.

 

 

Esse é o Meu Trabalho

 

Olhar para todas as possibilidades, boas e ruins, sem medo de apontar nada.

 

Criar estratégias para evitar problemas, saídas para conter situações inesperadas e ter contatos ágeis para soluções imediatas.

 

O importante, e que espero que você lembre sempre é: Não fique sozinho, não se isole. Não deixe de ouvir quem trabalha para você, não cale quem te traz informações não tão boas, não vire as costas para seus clientes e nunca, em hipótese alguma, minta para o público. 

 

O custo da mentira é imenso, quer seja você um pequeno infoprodutor ou o criador do Woodstock.

 

(Documentário: Woodstock 99: Peace, Love and Rage – Trailer)

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